Seminário discute história e memória de Divinópolis
Buscando as memórias e os eventos sociais, políticos e culturais de maior importância para a historiografia local
Como parte das celebrações do centenário do município, aconteceu nos dias 3, 4 e 5 de novembro último, na sala de reuniões da Câmara Municipal, o seminário “História e Memória de Divinópolis”, realizado pela Prefeitura e organizado pelo Conselho do Centenário.
Na noite de abertura, com a presença de autoridades municipais, a doutora Batistina Maria de Sousa Corgozinho, coordenadora do Centro de Memória da FUNEDI, e o doutor José Geraldo Pedrosa, professor e pesquisador do CEFET-MG, fizeram “um balanço sobre a produção acadêmica e memorialista da origem e da história do município”. A mediação foi do mestre José Heleno Ferreira, professor da FUNEDI.
Depois de analisar objetivamente as obras de historiadores e memorialistas locais, incluindo sua tese de doutoramento (UFMG), a doutora Batistina disse que as lideranças locais souberam aproveitar-se das oportunidades oferecidas pela ferrovia (virtu), que trouxe consigo desenvolvimentos econômico, social e cultural.
Para o professor José Geraldo, Divinópolis não é muito original em seu desenvolvimento, pois quase tudo é uma cópia oportunista, realizada com o único intuito de lucro: “o cavalo passa arreiado...” Na sua visão, se medidas pró-ambientais não forem tomadas urgentemente, Divinópolis terá dificuldade para superar a degradação dos recursos hídricos, que pode inviabilizar a vida na cidade, nos próximos anos. Para Pedrosa, recuperar a pureza do rio Itapecerica seria o maior presente para Divinópolis em seu primeiro centenário de emancipação.
A fundação do arraial
Na segunda noite, os trabalhos do Seminário foram abertos pelo mediador doutor Leandro Catão, historiador titular do Conselho do Centenário, e começaram com a apresentação do jornalista e pesquisador da história de Minas Gerais, Flávio Flora, editor da revista A Prova, situando o surgimento de Divinópolis, em 13 de janeiro de 1767. Em seu ensaio sobre "Itapecerica: uma passagem de pedras escorregadias", com base em documentos históricos e memoriais locais, narrou os acontecimentos que antecederam a formação da paragem, a criação do arraial e as ocorrências que marcaram os primeiros anos de existência urbana.
Segundo Flora, um documento-monumento indica que a “paragem da Itapecerica” foi fundada pelo fazendeiro João Pimenta Ferreira e outras 50 famílias por ele representadas, que contribuíram para a ereção da capela, em 1767, dedicando-a ao Divino Espírito Santo e São Francisco de Paula. Três anos depois, com a participação do sertanista Manoel Fernandes Teixeira, seu genro, João tomou providências para a criação do arraial do Espírito Santo da Itapecerica (oficializado em 29 de março de 1770), tudo com apoio das mesmas 50 famílias.
Primeira Súplica de João Pimenta Ferreira, em 13 de janeiro de 1767
Disputas violentas por marcos divisórios entre as Vilas de Pitangui com São José del-Rey (e depois, com São Bento do Tamanduá) produziram os principais acontecimentos do arraial, que culminaram com uma conferência de limites, em 1790, que pôs fim aos conflitos, permitindo novo povoamento. Em 1813, havia cerca de 1.154 habitantes, dos quais 33% eram brancos, 28% mulatos livres, 21% pretos livres e 18% de escravos: “uma sociedade de maioria negra e livre”, avaliou o pesquisador.
O ensaio terminou no ano de 1830, quando a capela original foi incendiada, com ela queimando os registros religiosos dos antigos moradores e quase apagando a história antiga de Divinópolis, o que só não aconteceu porque “ainda existem muitos documentos nos arquivos públicos de Minas Gerais”, afirmou Flora.
Os caiapó no centro-oeste
A segunda apresentação da noite foi a do arqueólogo Gilmar Henriques Pinheiro Jr, doutorando em Arqueologia (USP), diretor do Museu Arqueológico do Carste do Alto São Francisco, em Pains, estudioso dos vestígios humanos pré-históricos no centro-oeste, desde 12.000 anos atrás.
Seus achados confirmam a existência dos Caiapó (do Sul) na região, especialmente, nas vertentes do Alto São Francisco, (incluindo o vale do rio Itapecerica), e estão de acordo com o relatório de pesquisa documental, elaborado por Flávio Flora (para a Câmara Municipal) e publicado pela revista A Prova 9 (2002). Os caiapó, de fato, viviam naqueles sertões e, alguns deles, eram apelidados de candidés (em língua tupi), devido ao costume de depilar o topo da cabeça e de ornamentá-la com pinturas e grandes toucados.
O arraial no Império
A finalização dos trabalhos dessa segunda noite foi feita pelo mestre João Ricardo Ferreira Pires, coordenador do Curso de História da FUNEDI, que abordou alguns eventos do período imperial, propondo questionamentos a serem respondidos na escritura da história de Divinópolis. Na oportunidade, ressaltou os valores sociais, culturais e econômicos ligados à cachoeira do Niterói, a construção da Matriz, a eleição do deputado provincial Pe. Guaritá Pitangui e a implantação da ferrovia (1890) como alguns dos acontecimentos mais importantes do século XIX, salientando que haviam outros a serem pesquisados.
A presença franciscana no século XX
Na última noite do Seminário, ocorreu a apresentação espontânea de temas da emancipação político-administrativa de Divinópolis e do período republicano, sob a mediação do historiador Faber Clayton, professor de História. Os assuntos foram a presença franciscana em Divinópolis e a festa de reinado.
O mestre José Arnaldo Coelho Aguiar Lima, professor da UFOP (Ouro Preto) apresentou uma análise crítica das pinturas (têmpera a caseína) feitas por frei Humberto Randag, entre agosto e novembro de 1949, para a inauguração do Santuário de Santo Antônio. As obras foram avaliadas pelo seu estilo “pré-clássico moderno sem excessos”, reproduzindo cenas do cotidiano dos franciscanos.
Após a apresentação, usou da palavra o doutor frei Leonardo Lucas Pereira, ofm, Guardião do Convento de Santo Antônio, para ressaltar a importância da religiosidade no desenvolvimento de Divinópolis. Sugeriu a realização de pesquisas sobre o comportamento religioso do povo divinopolitano.
O mestre Guilherme Guimarães Leonel, professor do IFMG (Ouro Preto) apresentou uma monografia sobre o Reinado em Divinópolis: “Entre a cruz e os tambores”, em que examina as estratégias de resistência dos reinadeiros e as perspectivas de controle, coerção e tolerância das festas de Reinado, desde o início século XIX.
Segundo informa Rui Campos Tavares, presidente do Conselho do Centenário, o material apresentado no seminário “História e Memória de Divinópolis” será publicado em livro, em edição comemorativa dos 100 anos de emancipação político-administrativa.
[Jornal Magazine, ed. 473, 28/11 a 04/12 2010]
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